Esse artigo foi originalmente publicado na edição de setembro da revista Meio & Mensagem, e escrito por Rodrigo de Mattos.
Como as formulações de produtos brasileiros diferem de outros mercados e o que isso significa para a indústria.
O tema de brasilidades tem ganhado destaque há anos. Os consumidores brasileiros (mas também de todo o mundo), tem cada vez mais, buscado produtos regionais como uma forma de dar suporte para produtores nacionais, incentivar os próprios mercados, obter produtos que conhecem a procedência além de muitas vezes adquirir produtos que fazem sentido para suas realidades e conhecimentos.
A partir de 2020, com o advento da piora do cenário internacional, essa busca por produtos locais ganha destaque a medida que as importações ficaram cada vez mais restritas, primeiro pela COVID-19, aumento do câmbio dólar e real, depois pelo aumento de preços dos custos logísticos e finalmente pelas inflações atingindo o globo. Porém é interessante notar como essa busca e propensão para se gastar mais com produtos locais dá destaque para o Brasil, inclusive frente a países de renda per capita maior.
Ainda é interessante notar que as brasilidades não param só na vontade de se consumir produtos locais com maior intensidade, mas também em hábitos culturais que acabam privilegiando certos produtos. Um grande exemplo é o mercado de achocolatados brasileiro, um produto enraizado na nossa cultura, que serve de base para diversos preparos, como por exemplo do popular brigadeiro. No total de toneladas consumidas, nós estamos ranqueados em 1º lugar, e com um per capita empatado com Espanha, muito a frente de mercados como Estados Unidos.
As brasilidades se traduzem ainda de forma mais profunda, impactando diretamente a formulação dos produtos. Não é incomum se viajar para o exterior e perceber que seu refrigerante de sempre tem um sabor diferente e também não é estranho ouvir de estrangeiros que nossos doces são doces demais.
Tudo isso advém da própria construção brasileira, que durante muito tempo foi baseada na produção de açúcar, derivando então uma cultura culinária que se utiliza em maior quantidade do ingrediente. Claro, temos que discutir a disponibilidade como sendo um fator de importância para as formulações, não só no Brasil quanto no resto do mundo.
Comparando a formulação de refrigerantes, encontramos dados curiosos. Por exemplo, o uso de açúcar na composição de refrigerantes no México é maior que o uso do mesmo no Brasil, mesmo após aquele país, em 2020, ter passado a nova regulamentação de rotulagem, com advertências para altas quantidades de açúcar. Regulação similar entrará em vigor no Brasil em Outubro.
Outro dado curioso que conseguimos identificar é como de país para país se difere também como se adoça. No caso dos EUA, o uso de xarope de milho se destaca como o principal adoçante, enquanto no Reino Unido, se usa açúcar, porém em quantidades muito mais baixas. Fonte: Euromonitor International – Soft Drinks Ingredients, 2021
O paladar dos consumidores, e consequentemente como se formulam os produtos para cada país acaba sendo o motor de maiores sucessos entre as geografias para produtos zero ou com redução de açúcar. Um grande exemplo disso é como os Refrigerantes de Cola de baixa caloria tem um percentual de mercado muito menor no Brasil e México, dois dos principais consumidores de refrigerantes do mundo, se comparado ao Reino Unido ou mesmo Estados Unidos.
De maneira contrária ao resto do mundo, o Brasil, com sua exuberância e disponibilidade de frutas, faz com que seu consumidor pressione a indústria a fornecer sabores derivados de frutos e de maneira mais interessante, se utilizar de frutas, seja na sua forma pura quanto em suco em suas formulações de maneira muito maior que o que ocorre no resto do mundo.
Fonte: Euromonitor International – Soft Drinks Ingredients, 2021
A brasilidade, hoje, porém não se limita a predileção por produtos, formulações e paladar, mas também carrega consigo um quê do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade: assimilar do exterior boas práticas e experiências adaptando-as a realidade brasileira e dos brasileiros.
Alguns grandes exemplos dessa tendência “antropofágica” vem do setor de bebidas alcoólicas, uma categoria que carrega consigo o cosmopolita. Nos últimos anos, vimos diversas traduções do Gin, uma bebida clássica inglesa para o Brasil, se modificando em seu formato e ingredientes, trazendo as “brasilidades”. O Gin da Dengo Chocolates é um exemplo interessante, pois consegue agregar ingredientes conhecidos dos brasileiros, como cacau e coentro, ou sua versão Tropical que traz Pitanga. Outro caso curioso é o da Casa Lamas, destilaria mineira que ganhou prêmio internacional ao envelhecer um Whisky produzido no Brasil em madeira de Bálsamo, típica de envelhecimento de cachaça. Outra tradução deste viés está nas próprias cartas e menus de bares e restaurantes pelo Brasil, onde cada vez mais se ganha espaço a utilização de mel de abelhas nativas, ingredientes do norte – como tucupi e jambu –, o uso de frutas nativas e muito mais.
As brasilidades são reflexos da complexa e rica cultura brasileira porém cada país tem suas especificidades, o México com suas Mexicanidades, os Estados Unidos com suas “americanidades” e muitas mais. Ao mesmo tempo que esses aspectos únicos de cada país oferecem barreiras para uma importação direta de produtos, se abre espaço para as adaptações, que se bem pensadas e trabalhadas garantem o sucesso das diversas industrias que conseguem utilizar e traduzir bem as muitas “brasilidades” do mundo para o consumidor.